Conto: Meias amarelas

O relógio nem havia tocado, quando ele acordou. Ofegante, lembrando-se do sonho que tivera, era tão real. Um anjo havia visitado seu sonho, trazendo-lhe uma advertência, das mais estranhas que se pode ouvir. Usando um manto de Glória, alvo e de enorme estatura, recomendava que ele não usasse meias amarelas para que o tempo não lhe fosse curto.
Leo, um menino de sete anos, acabara de ter esse sonho estranho, quando acordou ficou surpreso por não estar acordado. Assim, naquele momento, Leo precisou tomar uma decisão: seguir o que o anjo lhe pedira ou ignorar aquele sonho como se ignora tantos outros.
Decidiu seguir por dois motivos simples. O primeiro, não era comum haver meias amarelas, ele mesmo não tinha nenhuma até então, não seria difícil não usar aquilo que não se tem. O segundo, mal nenhum faria seguir o conselho do anjo. Em seu coração, Léo guardou o conselho do anjo e comprometeu-se a nunca usar meias amarelas.
Na festa de Natal, seus pais receberam muitos familiares distantes para o almoço natalino. O momento foi muito divertido, primos e primas correndo pela casa, a cozinha exalava um cheiro apetitoso. Leo, como todos deliciou-se com o banquete, mas o momento mais esperado era a troca de presentes, não era incomum as crianças ganharem roupas -- para a alegria de suas mães e tristeza dos pequenos -- não importava, só o rasgar os embrulhos era incrivelmente satisfatório.
Leo ganhou naquele ano seis presentes, dentro os quais cinco classificavam-se como roupas, e desses quatro eram meias... meias amarelas. Ao ver a primeira meia amarelo, o menino arregalou os olhos e imediatamente se lembrou do anjo. Depois, vendo quatro pares de meias amarelas a sua frente, ele começou a chorar, dizendo que jamais usaria meias amarelas. Seus pais sentiram-se envergonhados, desculparam-se com parentes e garantiram que era apenas uma fase e logo ele usaria com gosto as meias.
No entanto, não foi assim que aconteceu, Leo nunca usou as meias e na primeira oportunidade as doou. Os anos foram passando, muitos outros natais vieram e mais meias amarelas o menino ganhou. Ele nunca ousou usar um par, seguia a admoestação do anjo a risca.
Leo cresceu, tornou-se adulto. Trabalhou, casou, teve filhos e os netos chegaram, um a um roubando seu coração. Como era feliz, sentia-se abençoado! Até que sua esposa faleceu. Seu coração ficou partido, a solidão começou a rondar sua vida, a rotina tediosa e enfadonha foi deixando de ser suportável. O netos lhe salvavam dele mesmo, ansiava suas visitas. Mas os netos crescem, casam-se, formam suas famílias, vivem seus problemas e suas conquistas. E as visitas ao vô Leo passam a ser poucas e pontuais, sobra-lhe tempo, muito tempo.
Então, o senhor Leo começa a ansiar sua partida, tudo e todos de sua época de moço já não estavam por aqui, seu tempo passou, estava pronto para vida eterna. Em meio sua solidão e a sensação de dever cumprido, a memória lhe traz o sonho de sua meninice "não use meias amarelas para que o tempo não lhe seja curto", então era exatamente isso que ele precisava: que o tempo encurtasse!
Como era de costume, de tempos em tempos alguém lhe presenteava com um par de meias amarelas. Decidiu que as usaria para dormir naquela noite, organizou tudo que julgou necessário para essa viagem só de ida. Quando a noite caiu, ele rezou pedindo que Deus lhe levasse para vida eterna. Deitou-se, e pegando a meia, começou a vesti-la... mas parou antes que a meia tivesse encostado na pontinha de dedos. Não pode ir em frente, foi fiel ao conselho do anjo por tantos anos, não poderia agora não sê-lo... pediu perdão por sua intenção e rezou para que Deus o levasse para junto Dele o quanto antes.
Naquela mesma noite, Deus atendeu sua oração e o anjo veio buscar Leo.
Salve Maria Santíssima!


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